Este ano os Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos (UNGP) completaram uma década. A cartilha serve como guia orientador para ajudar empresas a identificar, prevenir e remediar abusos aos direitos humanos cometidos nas diversas etapas da cadeia produtiva. Alguns tópicos estão sempre sob a lupa do gestor atento, como medidas de proteção contra o assédio moral e sexual, respeito à carga horária de trabalho e atenção ao direito de sindicalização. Entretanto, muitos(as) gestores(as) limitam sua atenção exclusivamente aos colaboradores(as), descuidando-se com relação ao cumprimento dos direitos das diversas outras partes interessadas envolvidas na cadeia de produção sob sua responsabilidade: consumidores, fornecedores e comunidades adjacentes às suas unidades de operação.
São tantos fatores e tantos envolvidos, que é fácil a liderança perder de vista certas infrações. Entretanto, a emergência de algumas dessas omissões pode enterrar uma carreira ou levar uma empresa à ruína. Para isso servem tais guias e frameworks: para que tudo esteja sob o controle da boa liderança.
A proteção dos direitos humanos pelas empresas não é uma questão de filantropia, mas de cultura organizacional, reputação e risco.
Em primeiro lugar, o respeito aos direitos humanos dos(as) colaboradores(as), fornecedores(as), consumidores(as) e da comunidade como um todo é pilar central de uma cultura organizacional saudável. É comum observarmos empresas com certo deslocamento entre a cultura narrada pelos departamentos de RH e a realidade cotidiana do escritório. A implementação de um sólido processo de garantia dos direitos humanos pela empresa manifesta-se concretamente no cotidiano dos trabalhadores, criando um ambiente de trabalho saudável, não punitivo, que promove a tentativa e erro, a diversidade de opiniões e, portanto, a inovação.
A consequência direta é o aumento da satisfação, engajamento e identificação dos(as) colaboradores(as) com a empresa, aumentando a produtividade e reduzindo a rotatividade da mão de obra. Desse modo, a promoção dos direitos humanos é elemento central de uma política estratégica de otimização dos recursos humanos da empresa.
A extensão do processo de garantia dos direitos humanos para toda a cadeia produtiva da empresa tem por consequência o estabelecimento de relações mais duradouras e satisfatórias com fornecedores(as) e clientes. A inclusão de cláusulas de direitos humanos em todos os contratos com fornecedores(as), subsidiárias e joint ventures é um primeiro passo para garantir o alinhamento da cadeia de suprimentos com os valores da empresa. A consequência é o estabelecimento de relações de negócio mais profundas, baseadas em valores compartilhados e, portanto, mais leais e menos suscetíveis a comportamentos oportunistas. Tais relações garantem maior previsibilidade sobre o processo de produção e reduzem os riscos de disrupção da cadeia ou de choques inesperados de custo. A extensão desse cuidado a distribuidores e equipes de venda vai, por sua vez, garantir o respeito aos direitos do(a) consumidor(a). Desse modo, a empresa estabelece as bases necessárias para cativar seus clientes, tornando-os leais à marca, promovendo sua retenção e compondo uma cadeia de valor e modelo de negócios verdadeiramente sustentáveis. Fica claro que a promoção dos direitos humanos de todas as partes interessadas no negócio é do interesse também dos departamentos de operações e marketing, pois, ao amplificar uma cultura de profundo respeito ao próximo para além das paredes do escritório, a empresa constrói uma cadeia de produção mais resiliente, melhora sua reputação no mercado e eleva o valor da marca, podendo inclusive impactar os ativos intangíveis da empresa e seu valor de mercado.
Finalmente, é fundamental reconhecer que o cumprimento dos direitos humanos pelas empresas deve ser componente central do processo de gestão de risco. A ideia de que as empresas são responsáveis apenas pelos envolvidos diretos em seus processos de trabalho está completamente ultrapassada.
Atualmente, empresas e líderes são responsabilizados (tanto pelo mercado quanto judicialmente) por infrações cometidas à montante da cadeia de suprimentos, sobretudo no que diz respeito à compra de materiais produzidos com utilização de trabalho escravo. Por outro lado, cada vez mais o adequado tratamento das questões de direitos humanos no espaço de trabalho chama a atenção de investidores motivados a promover um modelo econômico mais sustentável. A onda do ESG cresce exponencialmente no Brasil e no mundo, podendo ser encarada como um risco ou como uma oportunidade. Desejosos que o maior número de pessoas embarque nessa onda sem medo, recomendamos aqui um processo de quatro etapas para a boa gestão dos direitos humanos pelas empresas:
- Mapeamento
- Mitigação
- Remediação
- Comunicação
Mapeamento
O primeiro passo é avaliar a situação atual da empresa, mapeando os principais pontos de tensão no que diz respeito ao cumprimento dos direitos humanos ao longo da cadeia produtiva. Além dos Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos (UNGP) mencionados anteriormente, recomendamos também a utilização das normas GRI como ferramenta orientadora do processo de mapeamento e avaliação. Essas 37 normas são uma das ferramentas mais utilizadas por negócios ao redor do mundo para identificar e comunicar seus impactos na economia, meio ambiente e sociedade. A norma GRI 412 diz respeito especificamente a avaliação de direitos humanos, entretanto diversas outras abrangem tópicos relacionados, como a norma 405 sobre Diversidade e igualdade de oportunidades, a norma 409 sobre trabalho forçado ou análogo ao escravo, e a norma 411 sobre Direitos de povos indígenas.
Mitigação e Remediação
Uma vez mapeada a situação da empresa, deve-se iniciar um processo de mitigação dos principais riscos e de remediação das infrações já cometidas.
Comunicação
Finalmente, é fundamental que a empresa relate seus avanços anualmente, através da publicação de relatórios de sustentabilidade e da comunicação dos principais avanços em seus diversos canais de comunicação.
Embora o tema tenha se tornado assunto polêmico no nosso país, nosso objetivo aqui é deixar claro que o cumprimento dos direitos humanos é também uma questão de negócios. Ao seguir as nossas 4 dicas, a empresa será capaz de implementar um processo que vai otimizar os recursos humanos da empresa, tecer uma cadeia de suprimentos mais resiliente, promover a retenção e lealdade dos seus consumidores, mitigar riscos e aproveitar novas oportunidades de captação de investimentos em negócios sustentáveis.